ROMARIA JÁ SE PREPARA PARA A MAIOR FESTA RELIGIOSA DA REGIÃO
Início das celebrações nas cidades começa daqui a duas semanas | Foto: Vinícius Lemos
Oficialmente, estamos a duas semanas da abertura das celebrações de Nossa Senhora da Abadia, na cidade de Romaria, maior festa religiosa da região e uma das maiores do País. Entretanto, as movimentações do poder público, Santuário, comerciantes e até mesmo da população acontece há aproximadamente 45 dias, principalmente no que diz respeito aos trabalhos da Prefeitura local. A necessidade de tamanha antecipação se dá pelos números que envolvem a movimentação em Romaria, que, segundo cálculos da Polícia Militar em 2018, recebeu 600 mil pessoas entre o fim de julho e o dia 15 de agosto, data comemorativa à Nossa Senhora da Abadia. Ou seja, um contingente mais de 170 vezes maior do que a população local, estimada pelo IBGE em pouco mais de 3,5 mil habitantes.
Chama a atenção ainda o fato de a Prefeitura informar não que consegue uma arrecadação grande o suficiente para aliviar os cofres públicos diante de tamanha circulação de pessoas.
Entretanto, os números que envolvem a celebração no Santuário de Nossa Senhora da Abadia no município podem ser descritos como incompatíveis com a pequena cidade do interior mineiro. A peregrinação é realmente o combustível de toda uma mobilização, que envolve, entre outras questões, a contratação de aproximadamente 120 pessoas pela Prefeitura; no uso 24 horas ininterruptas de bombas para fornecimento de água para a população e visitantes durante as semanas de celebração; a contratação de serviços de limpeza que aumentam em seis vezes a quantidade de veículos circulando para garantir o mínimo de higiene pelas ruas; no recebimento de cerca de 200 policiais de cidades vizinhas; 30 padres envolvidos com os trabalhos no Santuário e um gasto de quase R$ 250 mil por parte da igreja, que também faz contratações e mantém serviços para o recebimento de peregrinos e celebrações.
Levantar mão de obra e recursos financeiros para a realização da festa não é tarefa nada simples, ainda que em 2019 a celebração chegue ao 149º ano. São as doações que suprem os custos da igreja. De acordo com o reitor do Santuário Nossa Senhora da Abadia, padre Márcio Ruback, desde 2016 uma campanha entre devotos é realizada com cerca de 6 mil pessoas. Elas recebem carnês com 12 folhas, pagas mensalmente com contribuições que variam entre R$ 5 e R$ 10. Os valores são usados na manutenção do próprio Santuário e no custeio dos 20 dias de celebrações. Até porque, apesar das doações em dinheiro, no ápice da festa, poucas pessoas se dispõem ao voluntariado.
Padre Márcio Ruback disse que desde 2016 cerca de 6 mil devotos ajudam com contribuições | Foto: Vinícius Lemos
Chama a atenção ainda o fato de a Prefeitura informar não que consegue uma arrecadação grande o suficiente para aliviar os cofres públicos diante de tamanha circulação de pessoas.
“Durante todo o ano temos pessoas que prestam serviço ao Santuário, nas pastorais e em todos os movimentos, mas em agosto a grande maioria trabalha em sua casa para ganhar dinheiro”, explicou Ruback, ressaltando que a mão de obra espontânea não passa de 20 pessoas.
A rotina dos padres é intensificada a partir do dia 6 de agosto, quando passam a ser celebradas seis missas diariamente.
PREFEITURA
Sem informar valores, o secretário de Finanças de Romaria, Geraldo Eli dos Reis, afirmou que o recurso gasto pela Prefeitura entre os meses de julho e agosto é maior do que o Município consegue arrecadar no período, apesar da quantidade de pessoas que passam pela cidade e até mesmo usam serviços municipais. “Não se paga (o período de celebrações). O arrecadado corresponde a 70% ou 80% do gasto da Prefeitura”, diz.
A principal fonte de renda da Prefeitura no período é a taxa cobrada de vendedores que passam a usar as ruas de Romaria como ponto para instalação de seus negócios. A negociação para utilização do espaço das calçadas é feita com os proprietários do imóvel, entretanto, é cobrada uma taxa municipal que pode chegar a R$ 100 pelo metro linear ocupado. A dificuldade é que não existe o controle prévio dessa ocupação e, segundo explicou Geraldo Eli, muitas vezes parte das centenas de barracas que são instaladas próximas à praça da Matriz não paga a taxa de ocupação.
Portanto, não há um número considerado correto de ambulantes que se deslocam para Romaria, vindos de cidades no entorno e de estados como Goiás, São Paulo e Rio de Janeiro. “Temos um adesivo para identificação do vendedor, mas muitas vezes procuramos o dono para a cobrança e os fiscais são informados que ele não está e não o encontramos. Acaba que não conseguimos cobrar de todo mundo”, disse.
A melhoria da arrecadação com a celebração em Romaria, na visão do secretário de Finanças, se daria a partir de um investimento para criação de estrutura específica para o recebimento dos romeiros e também dos comerciantes. De médio a longo prazo isso desoneraria as despesas do Município e ajudaria na relação com os gastos.
Fiscais, pessoas responsáveis pela varrição e recolhimentos do lixo, controle de trânsito e serviços gerais estão entre as contratações temporárias da Prefeitura para a época. A cidade tem gasto extra ainda com o abastecimento sem arrecadação, uma vez que não existe cobrança de uso da água no Município. Com mais gente em Romaria, há custos de bombas ligadas por tempo extra e manutenção de equipamentos que, eventualmente, apresentem defeitos.
A cidade tem apenas um caminhão que recolhe lixo, mas entre julho e agosto a frota contratada temporariamente passa a contar com seis veículos. Há ainda segurança terceirizada usada pela Prefeitura.
LOGÍSTICA
Desde junho, cerca de 60 dias antes do pico de movimentação na cidade, o poder público passa a discutir as mudanças e trabalhos necessários para receber romeiros e demais visitantes. Momento de mudanças na rotina da cidade. Reuniões com o comando da Polícia Militar de Patos de Minas, principal apoio à cidade, já aconteceram. O efetivo enviado à cidade, por exemplo, é acomodado na Escola Municipal Rosalvo de Miranda, onde também recebem alimentação. Bombeiros também são deslocados para o local.
No entorno do Santuário não se pode instalar pontos de comércio, mas todo o centro de Romaria é isolado para o tráfego de automóveis. Há mudanças de sentido de determinadas vias e isso demanda fiscalização para manutenção do tráfego minimamente organizado. As exceções são os caminhões pipa que servem para abastecimento e também para limpeza das ruas, moradores e comerciantes com estabelecimentos fixos nas vias fechadas.
Em 2018, houve a experiência de organização de uma praça de alimentação que concentrava barracas que vendiam alimentos em ponto único.
ECONOMIA
Osvalda aluga a casa por mais de 10 dias para uma família de Araguari | Foto: Vinícius Lemos
Se para a Prefeitura as celebrações de Nossa Senhora da Abadia trazem mais despesas do que receitas, para a população de maneira geral é época de fazer dinheiro extra com alugueis e até mesmo com o fornecimento de alimentação. Há 13 anos, Osvalda de Jesus, de 85 anos, aluga a própria casa para receber 10 pessoas de uma mesma família da cidade de Araguari por mais de 10 dias. No último ano, o valor extra chegou a R$ 7 mil pelo aluguel. O montante é considerado um pouco maior que a média por uma casa como a dela, de 12 cômodos. Isso acontece a pedido dos próprios locatários para que a calçada do imóvel não seja alugada a vendedores.
Segundo informações obtidas pela reportagem com alguns populares, é comum que passeios custem R$ 1,2 mil aos vendedores. “Tiro tapetes e fogão, e a despensa não entra no aluguel. Ela fica fechada. Eu fico na minha neta (durante o período). O aluguel ajuda e eu nem pego dinheiro com meus filhos. Para mim é bom, que vivo com aposentadoria minha e do meu ex-marido já falecido”, disse Osvalda.
Ao mesmo tempo, para as donas de um restaurante na rua Padre Gerônimo, bem próximo ao Santuário de Nossa Senhora da Abadia, a concorrência aumenta bastante. “Na cidade tem três restaurantes mais uma pousada, que também serve comida. Na época da festa, no ano passado, eu contei 60 barracas e casas servindo comida, só aqui perto do restaurante eram 19”, disse uma das proprietárias, Jaqueline Ribeiro de Moura, que ainda levantou o questionamento de que elas devem obedecer critérios mínimos segundo a fiscalização sanitária, mas que isso não acontece com os vendedores de época. O restaurante existe há mais de 50 anos na cidade e no ano passado mais quatro pessoas foram contratadas para atender a clientela.
Por: Vinicius Coelho/Diario de Uberlândia